domingo, 17 de agosto de 2014

Mesmo em posição incerta, Marina Silva já é a maior ameaça à hegemonia PT-PSDB em 20 anos


Em 18 de julho de 2014, diante dos primeiros embates entre eleitores na internet, e ao término da Copa do Mundo no Brasil, escrevi, em meu primeiro post neste blog, que a eleição havia finalmente começado. Não poderia saber (ninguém poderia), mas estava equivocado. A eleição anunciada há exato um mês começa em 18 de agosto de 2014, um dia após o enterro de Eduardo Campos, morto aos 49 anos em um acidente aéreo em Santos (SP).

Que ninguém se iluda: em meio às solenidades e homenagens ao jovem líder pernambucano, que entrou na eleição como força promissora e sairá como mito, uma nova eleição, com novos prognósticos e novas estratégias, é desenhada pelos principais nomes da disputa. Sem os três postulantes originais, tudo o que foi dito/escrito/analisado/planejado até o momento passa a ser descartável.

Nesse novo cenário, Marina Silva será a candidata do PSB à Presidência. Seja quem for o escolhido a vice, é dela a missão de levar a cabo os compromissos assumidos por Campos em sua curta campanha. Isso, por si, faz de Marina uma candidata sui generis. Ela não será a candidata da Rede Sustentabilidade, o partido que tentou, sem sucesso, registrar na Justiça Eleitoral para pavimentar a sua candidatura ao Planalto. (Para quem é conhecedor das peças ora trágicas ora irônicas do destino, a inevitabilidade dessa candidatura, no fim das contas, é um prato cheio).

Tampouco Marina será a Marina de 2010, quando se lançou candidata pelo Partido Verde, uma legenda que tinha nome e programa conhecidos, mas histórico de desempenho pífio nas urnas. Juntos, eles obtiveram quase 20% dos votos válidos no primeiro turno, no que ficou conhecido como “avalanche verde”. Essa avalanche foi provocada por Marina, uma liderança nacional, ex-ministra e ex-senadora, que encarnou um discurso pós-Lula com o resgate de outra figura histórica, Chico Mendes.
14 de abril - Brasília, Brasil - O escritor Ariano Suassuna beija a mão de Marina Silva (PSB) durante o evento de pré- lançamento da chapa presidencial de Eduardo Campos (PSB) e Marina, realizado no Salão Azul do Hotel Nacional, em Brasí­lia (DF), nesta segunda-feira (14). O evento tem dois objetivos principais segundo integrantes da legenda: estancar as especulações de que a ex-senadora pode ser a cabeça de chapa e dar o start para uma massificação do nome do ex-governador de Pernambuco.14 de abril - Brasília, Brasil - O escritor Ariano Suassuna beija a mão de Marina Silva (PSB) durante …

Mas o contexto era outro e o partido, do qual sairia rompida, também.

Um detalhe pouco falado até o momento é que o PV terá candidato próprio nesta disputa, e ele, Eduardo Jorge, não terá tão menos tempo de exposição, no horário de propaganda gratuita de rádio e TV, do que a antiga hóspede – embora Marina tenha hoje tanto ou mais espaço e atenção na cobertura midiática do que Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB), o que confere a ela uma distância abissal sobre qualquer candidato “nanico”.

Mas, quando a propaganda na TV tiver início, os verdes tentarão angariar, a todo custo, a legitimidade do discurso pró-meio ambiente, que tem um apelo considerável em certa fatia do eleitorado, sobretudo na classe média, no qual Marina surfou em 2010. Com ela à frente da chapa do PSB, mais ligado ao setor produtivo tradicional, até ontem simpático a Campos, o discurso da sustentabilidade pode ganhar uma ênfase até então impensável.

De um lado, porém, haverá um discurso de conciliação, em parte devido ao programa do próprio PSB, do qual Marina até ontem era hóspede e agora é anfitriã; em parte devido à posição conservadora da candidata em relação a temas-tabu. Religiosa, ela sempre se posicionou contra a descriminalização das drogas e do aborto – em seu eventual governo, é incerta a abordagem de políticas públicas relacionadas à sexualidade.
Isso faz do PV o lado progressista do discurso verde: todas essas bandeiras, escondidas diante da ex-senadora em 2010, serão levantadas desta vez. Não seria imprudente imaginar que os eleitores identificados com estas bandeiras, e que ainda assim votaram na Marina do PV em 2010, voltem a apoiar o candidato desta legenda em 2014.

Quem acompanha os debates de temas como desmatamento e aquecimento global sabe da urgência desta pauta, embora ela não estivesse no centro do debate político. Conforme avançam os estudos e a consciência sobre a ação do homem no Planeta, é diluída a dicotomia entre produção e conservação que antigamente opunham empresários e militantes. Há informações suficientes hoje para derrubar a ideia de que floresta em pé é só enfeite. 

O Planeta está mais quente, corre o risco de ficar ainda mais, o desmatamento é um desafio, e as consequências disso são noticiadas diariamente: derretimento das calotas polares, mudanças no regime de chuvas, intempéries naturais e violentas nas franjas das cidades cada vez mais povoadas. Estudos já confirmam a importância da manutenção das florestas, e o quanto elas influenciam e beneficiam o chamado setor produtivo, inclusive a safra agrícola. E as empresas, preocupadas com os efeitos da devastação, já perceberam que as ações mitigadoras da devastação (da substituição das lâmpadas convencionais por lâmpadas econômicas à instalação de sistemas de reciclagem de materiais e reuso da água) são não apenas baratas e viáveis, como geram lucros a curto e longo prazos.

O protagonismo de Marina Silva diante das circunstâncias atuais será suficiente para levar esses temas ao centro do debate? Será uma pena se não o for.

A verdade é que, até o momento, sem emitir qualquer sinal de como pretende unir seu histórico de militância com os compromissos de um projeto do qual até ontem era coadjuvante, Marina Silva já é a maior ameaça das duas décadas de polarização PT x PSDB. Com Campos na disputa, a consolidação de uma terceira via era incerta, em parte devido à ligação do candidato aos dois lados. Marina jamais se identificou com o PSDB, e, em cinco anos, teve tempo suficiente para se afastar das origens petistas. Com ela a terceira via é mais nítida, embora, repito, as condições desta campanha, reiniciada após a tragédia, sejam distintas do cenário de 2010. A começar por seu protagonismo, construído desde as últimas eleições e potencializado pela comoção do momento político atual.

Na última pesquisa Ibope, um quarto dos eleitores (24%) se dividia entre indecisos e dispostos a anular ou votar em branco. Se conseguir atrair parte dos indecisos e descrentes e assegurar as preferências manifestadas nos levantamentos que antes incluíam seu nome na disputa, Marina Silva terá presença quase certa no segundo turno. Neste embalo, um eventual segundo turno contra a ex-senadora, em condições iguais (ao menos na propaganda da TV e nos meios de comunicação), é o pior dos mundos para a candidata à reeleição, Dilma Rousseff. A eleição começa agora.

O carro do Corpo de Bombeiros, no qual o corpo foi transportado, seguiu com a viúva e os filhos de Campos, a mãe, o irmão e Marina Silva, que vai encabeçar a chapa do PSB no lugar dele. O veículo...

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