terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Renúncia do Papa abre era de incerteza na Igreja


Imagem mostra o mosteiro Mater Ecclesiae, localizado dentro dos muros do Vaticano Foto: AP

Mosteiro é cercado por ampla área verde, onde o Papa irá descansar.
Foto: AP

Mosteiro é cercado por ampla área verde Foto: AP
Imagem mostra o mosteiro Mater Ecclesiae, localizado dentro dos muros do Vaticano
A renúncia do Papa Bento XVI abriu a porta para todo tipo de conjecturas sobre seu possível sucessor e para um período de incerteza inédito na Igreja Católica em 700 anos.
Passada a surpresa inicial, os fiéis católicos elogiaram em geral a "coragem" do Papa, de 85 anos, que na segunda-feira alegou sua idade avançada e "falta de forças" para anunciar que em 28 de fevereiro, às 20H00 (16H00 de Brasília), deixará a missão à frente de uma igreja de 1,2 bilhão de religiosos.
Um conclave cardenalício para designar o sucessor começará de 15 a 20 dias depois e um novo Papa será designado até a Páscoa, ou seja, antes de 31 de março, afirmou o porta-voz do Vaticano, Federico Lombardi.
Bento XVI, que não participará no conclave, vai passar algum tempo na residência pontifícia de verão de Castel Gandolfo, perto de Roma, e depois se mudará para um mosteiro dentro do Vaticano.
Os cardeais terão que tomar uma decisão difícil, em uma época na qual a Igreja enfrenta questionamentos internos e as rápidas mudanças do mundo: muitos apontam a possibilidade de eleição de um Sumo Pontífice da América Latina, África ou Ásia, e não necessariamente de um europeu.
As casas de apostas iniciaram imediatamente a corrida para tentar antecipar o nome do sucessor do bispo de Roma, mencionando, entre outros, um africano, o cardeal ganense Peter Turkson, o arcebispo italiano de Milão, Angelo Scola, ou o cardeal canadense Marc Ouellet.
"Eu acredito que neste momento os eleitores (quase 120 cardeais) estão fortemente desorientados", disse o vaticanista Sandro Magister.
Mas, completou, Bento XVI abriu o caminho "e os próximos pontificados não serão certamente para toda vida", completou.
O arcebispo de Bordeaux (sudoeste da França), Jean-Pierre Ricard, um dos cardeais eleitores, disse que os participantes no conclave evitarão "seguramente escolher um dos mais idosos porque Bento XVI tem manifestado que se trata de uma carga muito pesada".
"Não será necessariamente um europeu, pode ser um sul-americano, um filipino, um africano", sugeriu.
De todos os modos, a decisão do Papa terá muita influência na eleição, destacou o vaticanista Marco Politi.
"Marca o final do pontificado que dura toda a vida", disse.
A decisão de Bento XVI é inédita na história da Igreja moderna. Em 1294, o Papa Celestino V abdicou poucos meses depois da eleição. Ele havia vivido como ermitão e admitiu que não se sentia preparado para assumir o ministério.
No anúncio, pronunciado em latim diante de um consistório, posteriormente traduzido pelo Vaticano, Bento XVI disse que renunciava pela "idade avançada".
"Já não tenho forças para exercer adequadamente o ministério de São Pedro", afirmou.
"O Papa nos pegou de surpresa", reconheceu o porta-voz.
A pergunta fica por conta do momento escolhido para o anúncio.
"A resposta lógica é que estava diante de um grupo de numerosos cardeais, que são os que deverão escolher o novo Papa", afirmou à AFP o americano Greg Burke, nomeado em junho como conselheiro do Vaticano para assuntos de comunicação.
Segundo Lombardi, "ninguém sugeriu" e não há nenhuma doença que tenha influenciado a decisão.
"O Papa sentiu que diminuíram suas forças nos últimos meses e reconheceu com lucidez", disse.
Nascido em 16 de abril de 1927 em uma família alemã modesta e muito católica, Joseph Ratzinger sucedeu o carismático João Paulo II em 19 de abril de 2005, depois de ter comandado por 24 anos, com mão de ferro, a Congregação para a Doutrina da Fé, antigo Santo Ofício.
O irmão do Papa, Georg Ratzinger, contou ao jornal alemão Die Welt que sabia há vários meses da decisão.
"Meu irmão deseja tranquilidade em sua velhice", disse.
Segundo o jornal oficial do Vaticano, L'Osservatore Romano, Bento XVI não consultou ninguém sobre a decisão, que tomou após a cansativa viagem ao México e Cuba em março de 2012.
Durante o pontificado de oito anos, Bento XVI foi cercado por escândalos, intrigas e por problemas de saúde.
As denúncias de pedofilia de clérigos, o vazamento de documentos privados, as lutas pelo poder na Cúria Romana e as irregularidades no Banco do Vaticano (IOR) revelaram a profunda crise na Igreja.
No ano passado, quando se descobriu que seu mordomo, Paolo Gabriele, o fiel Paoletto, havia repassado documentos e cartas confidenciais à imprensa (o caso Vatileaks), Joseph Ratzinger se sentiu sozinho e profundamente traído.
No livro-entrevista "Luz do mundo", de 2010, o Papa havia abordado a possibilidade de renunciar ao pontificado em caso de impossibilidade de prosseguir com as atividades.
Bento XVI afirmou que tinha "o direito e, segundo as circunstâncias, o dever de retirar-se" caso as "forças físicas, psicológicas e espirituais" faltassem.
Uma opção que seu antecessor João Paulo II se negou a aceitar, permanecendo no trono de Pedro até o final, em uma longa e dolorosa agonia seguida ao vivo por milhões de telespectadores.
"Da cruz não se desce", comentou o secretário de João Paulo II, o atual cardeal polonês Stanislaw Dziwisz, em uma espécie de crítica à renúncia do Papa.
Esta é, talvez, a maior reprovação ouvida até agora, já que a maioria dos líderes políticos e religiosos do mundo têm expressado solidariedade e compreensão.
"Foi como um raio em céu sereno", admitiu o decano dos cardeais, Angelo Sodano, resumindo o sentimento reinante dentro da Igreja.

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